sexta-feira, 13 de junho de 2008

Desencontro em duas versões

"Eu estava logo ali..."


Desencontro

Quanto mais chego perto de mim
Mais chego na borda do ser
Quanto mais laço dentro de si
Mais longe fico do começo

Era o começo o perto de mim
Ou seria o começo a distância de si?
Nesta dúvida de estar e não ser
Nesta vida de ver e não é
Sei que quanto mais perto de mim fico
Mais longe de mim sei.

Poderia ser escrito como:
Desencontro

Perguntaram-me onde é que me encontrava.
Pro primeiro disse leste.
Norte seguiu a resposta.
Vi que nunca acertava.
Neste paradoxo de vida descobri que embora a ida fosse diferente, a volta seria a mesma.
Estava por toda a parte. Poderia ser condenado por imitar Deus.
Embora isso me encomodasse, me confortava do mesmo jeito.
Era simples: encontrei-me! Por toda parte que estivera, estava eu por toda a parte!



Versão bônus:
Desencontro

Duas senhoras jogavam escopa de quinze durante um chá.
Era óbvio que a discussão tomara outro rumo:
- Nunca poderemos viver do nosso jeito Berta, nunca!
- Você diz isso por causa do jogo?
- Digo sobre andadores e programas de TV.
- Rrrealmente. Naquele tempo, feliz era quem conseguia comprar sua lavadeira.
- Estamos falando do mesmo assunto?
- Venci!
- Droga. Me passe o chá.

É evidente a confusão das senhoras que, embora nunca tivessem se gostado, terminam a vida assintindo pela TV jogos de azar.

2 comentários:

Bruno Malveira disse...

Uau...

três pelo preço de duas.

Sobre a primeira:
Muito bem escrita. Deu-me a real impressão de estar se aproximando e se afastando ao mesmo tempo, como se o mais próximo causasse um afastamento maior. Querendo entender algo que se recusa a ser revelado, um desencontro interior, emocional.

Sobre a segunda:
Ao tentar entender o que é, percebe-se que não se pode ser apenas um ser, tudo aquilo que você toca, tudo que percebe a sua existência torna-se parte do que você é. Li certa um depoimento de um ex-militar da era nazista que dizia:
"Naquela época eu era um dos maiores generais conhecidos, aclamado e respeitado por toda a parte, por onde andava todos me reconheciam. Agora, os meus soldados não vivem mais, o povo que antes me aclamava ou está unido à terra ou perdeu a memória daquele tempo. Agora eu não sou mais eu, não existo mais. Perdi o meu ser."

E foi isso que me passou, um desencontro do que você é e de tudo que faz você ser você, um desencontro racional.

A versão bônus torna tudo um tanto mais palpável. Conversas que se entranham pelos mais diversos significados de modo a não se encontrarem em duas mentes diferentes. Diria eu um belo exemplo de desencontro físico.

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Senti-me neste momento como uma daquelas pessoas que ao ler um texto busca os mais diversos significados de modo a transcederem o real objetivo despretensioso do escritor. Espero não o ter assustado.

Marina disse...

Particularmente, gostei bastante do segundo. Não que os outros não fossem bons, mas me identifiquei bastante com o segundo. Acho que todo mundo poderia se identificar com ele, apesar de nem todo mundo ser capaz de viajar o bastante para isso.

Muito bom! Abraço!